A Trilha das Artes

Por Danilo Moreira

Que tal acompanhá-los? (Foto: Danilo Moreira)

Eis mais uma Virada Cultural. O evento, já presente na rotina dos paulistanos há sete anos, tem recebido cada vez mais destaque na mídia. Mostram-se as principais atrações principalmente no Centro da cidade. A cada ano, recorde de público, sempre aos milhões. Mas agora, esqueça a virada no Centro. Vamos para 24 km ao sul da cidade. Lá, um grupo de pessoas de várias idades é conduzido por dois homens de preto. Um toca uma sanfona. O outro guia os olhos de todos para uma experiência sensorial intensa. Questionam-se: “Afinal, o que é arte? Como contemplar a arte? O que aquela obra quer dizer?” Todos “viajam”, dão vários palpites. A melodia parece criar uma barreira a tudo que acontece em volta. Diante daquela imensidão verde, eles parecem ser os únicos seres existentes.

Num mundo onde as pessoas têm cada vez menos tempo até mesmo para respirarem, parar por alguns minutos em frente a uma obra de arte e fazer um exercício de interpretação estética é uma atividade rara, e mesmo quando é feita, pode trazer alguns equívocos. É justamente para aprimorar essa experiência que o SESC Interlagos, localizado no extremo sul de São Paulo, apresentou nesta 7ª edição da Virada Cultural 2011, a Trilha das Artes. Trata-se de um passeio monitorado por várias obras espalhadas pela unidade.

Para quem não conhece, o Sesc Interlagos é um clube campestre de 500.000 m2, ao lado da represa Billings. Inaugurado em 1975, possui uma das maiores áreas verdes de todas as unidades da capital, tendo inclusive uma reserva da Mata Altântica.

A ideia

Elizabeth Brait é responsável pela programação de teatro, literatura, artes plásticas e visuais. Segundo ela, a ideia da trilha surgiu em 2007 pelas mãos de Andrea Fonseca, que é instrutora do Projeto Curumim (programa que atende crianças de 7 à 12 anos com atividades educativas) e especialista em museologia. “Ela considerou importante fazer uma ação de mediação sobre as obras de arte expostas junto ao público frequentador do SESC Interlagos”. Depois de vários ajustes, foi na Virada 2011 que o projeto finalmente foi posto em prática.

Ao som da sanfona

Era sábado, 16 de abril, 20 horas. No prédio da sede social, entre várias atrações acontecia simultaneamente, dois homens surgem. Sâmu carrega uma sanfona e Márcio exibe um sorriso no rosto, convidando a toda aquela gente para acompanhá-los. Logo formou-se um grupo de cerca de 25 pessoas. Começava ali a Trilha das Artes.

Pátio das Américas (Foto: Danilo Moreira)
“Hoje a gente vai fazer um percurso para abrir a nossa percepção”, anunciava Márcio. Segundo ele, o SESC possui uma coleção de 1200 preciosidades do chamado Acervo SESC de Arte Brasileira, iniciada há cerca de 60 anos atrás. Por ser grande a quantidade de obras no Interlagos (cerca de 300, segundo Brait), veríamos apenas cinco delas.

“Nu”, de Carlos Leão (1969), foi a primeira obra visitada. O quadro retrata uma mulher na sua intimidade, seminua, e mostra como durante muito tempo, desde a Grécia Antiga, o corpo feminino é um dos temas preferidos dos autores. Através de cada palavra pronunciada, os rapazes conduziam às pessoas ao processo de contemplação de cada detalhe, dando um tempo para que a imagem pudesse se comunicar com os olhos de todos. Minutos depois, várias pessoas já falavam o que haviam entendido dela. O momento é temperado com um poema de Vinícius de Moraes, chamado “Soneto da Mulher ao Sol”. Tudo para mostrar aos participantes como as diversas formas de arte podem dialogar entre si.

Dali, a Trilha seguiu para fora do prédio. Márcio distribuiu algumas lanternas para as crianças, adiantando que em certo momento do caminho, elas seriam essenciais. Na grama, passamos pelo “Pátio das Américas” (2005), obra em espiral feita em granito por Denise Millan e Ary Perez, e outra produção dos mesmos autores, cujo nome não foi dito, mas é um grande tronco amarrado a cordas de bronze. Em ambas, a interpretação dependia do contato físico.

Descemos algumas escadas. A sanfona de Sâmu ia na frente e abria caminho entre as pessoas que estavam ali. Quem via o nosso grupo (que muitas vezes parecia realmente estar em transe) se calava, e passava a nos observar. De certa forma, também nos tornamos uma obra de arte daquela Virada. Foi mostrado a nós uma pedra esculpida e de onde corria água. Aqui o desafio da interpretação da arte foi bem maior, por ser um local de muito barulho (era perto da arena, local dos shows que aconteceriam no dia). Márcio algumas vezes teve que gritar para o ouvissem. Não conseguimos nem mesmo identificar o autor da obra.

A partir daqui, a Trilha das Artes tomou uma direção mais profunda. Para ver a última obra, o grupo teve que andar bastante por um longo caminho de paralelepípedos. Aos poucos, o prédio da sede social e as outras atrações da Virada ficaram para trás. O silêncio da noite e os grilos passam a tomar conta do cenário, ainda sob o som da sanfona de Sâmu.

Arte também é engajamento ambiental. (Foto Danilo Moreira)
Chegamos enfim a um local escuro, ao lado da quadra de basquete do SESC. O som que cintilava em nossos ouvidos agora era uma flauta. Descemos sob a luz das lanternas que as crianças carregavam. Era também uma instalação. Troncos secos de árvores brotavam de pedras, e formavam um formato circular. Fomos convidados a entrar dentro dela. Mais uma vez, várias interpretações. Mas dessa vez, realmente tínhamos embarcado em um exercício de introspecção que era quase hipnótica. Nem as teias de aranha atrapalharam a essência do momento. Márcio explicou que ela fora colocada estrategicamente ali, pois, do lado, há a reserva da Mata Atlântica. E ela tinha sido construída por Siron Franco e as crianças do Projeto Curumim. Tratava-se de um alerta para a preservação do meio ambiente, além de mostrar que qualquer pessoa poderia produzir arte.

E por fim, após uma hora e dez minutos de total imersão no mundo das artes, os dois guias se despediram de todos, nos acompanhando de volta à sede social. Cada um que saiu dali teve a certeza de estar mais leve. E eram pessoas simples, boa parte moradoras da região, gente comum do nosso dia a dia. Mas, naquela noite, elas foram capazes de fazer o tempo parar, e passaram a servir exclusivamente à experiência estética proporcionada pelo passeio. Parecíamos ter acordado de um sonho gostoso. Com certeza, pelos sorrisos nos rostos de cada um, aquela trilha realmente seria inesquecível.

Segundo Brait, as cinco obras foram escolhidas com o propósito de informar a quem freqüenta o SESC que, além de toda a estrutura já conhecida (área verde, quadras poliesportivas, piscinas, e outras instalações de entretenimento), existe também atrações de arte importantes mas que não são vistas. Esse contato com as obras internas e externas criam uma sensibilidade no olhar e ampliação estética do indivíduo. “Vai da intimidade do primeiro contato do quadro de Carlos Leão à abertura para o céu de uma Mata Atlântica do Siron. Além disso, valorizam o patrimônio da unidade e o democratiza a todos”, conta a programadora.

Fim da Trilha: olhos renovados.  (Foto: Danilo Moreira)
Mas para quem perdeu a Trilha das Artes, pode ficar tranqüilo. Brait já adiantou que em virtude da boa repercursão, a unidade pretende promover novas edições da itinerância monitorada, até mesmo fora do circuito da Virada Cultural. É só torcer para que logo você também possa fazer parte desse momento tão especial, e ter a oportunidade de explorar o acervo de arte do SESC Interlagos.

Para mais informações, acesse www.sescsp.org.br. O endereço é na avenida Manuel Alves Soares, 1100, Parque Colonial, perto da estação Primavera-Interlagos da CPTM.

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