Pela primeira vez, cultura periférica tem espaço na Virada Cultural


 Por Raquel Freire


Foto: Divulgação

No Sarau do Binho, Gunnar Vargas apresenta Circo Incandescente com temas políticos, sociais e culturais expressos em poesias e músicas.

“Zona Sul, Leste, Oeste e Norte, cheguem, venham ouvir uma música nacional de qualidade”. Com esta frase, Gunnar Vargas e sua banda entra no palco da Santa Ifigênia. Pela primeira vez, artistas do circuito periférico de São Paulo participam da Virada Cultural. Com saraus de poesias, músicas e danças, a banda, que se apresentou às 0h, no dia 17 de abril, mostrou uma nova forma de produção, acesso e difusão de arte, já que no sarau, o artista é o próprio povo.

Antes do grupo se apresentar, havia uma roda de pessoas. No centro, um grupo de garotos dançavam ao som de uma música cantada por eles e também pelo público. Após isso, era a vez dos poetas. Cada um entrava na roda e começava a declamar suas poesias.

O público era variado, de crianças a idosos, vindos de diversas regiões da cidade, todos muito animados. Eles dançavam, cantavam e aplaudiam concordando com as letras do grupo. “A gente se encontra aqui. Essa é a nossa realidade, vivemos isso”, explica Carol Siqueira, estudante do Ensino Médio que assistia a apresentação.

Segundo Gunnar Vargas, cantor e compositor, que lançou recentemente o álbum Circo Incandescente, o palco Cultura Periférica foi talvez uma das opções mais autênticas da diversidade de programações apresentadas na Virada Cultural 2011. “Este palco trouxe músicos, poetas, artistas plásticos das mais variadas áreas, saraus e festivais, o que expressa a realidade de cada povo, a maneira como nós vivemos”, pondera.

Circo Incandescente

O título do CD é o mesmo da apresentação do Saru do Binho, que dialoga com a cultura paulistana periférica, com a música popular brasileira e com o samba de modo especial. Gunnar apresenta uma obra sua e também coletiva, com doze canções. O álbum tem a produção de Luiz Waak e co-produção de Daniel Krotoszynski. A banda conta com arranjos e guitarras de Luiz Waack, bateria de Marco da Costa, baixo de Reinaldo Chulapa, pianos de Fernando Moura, trombones de Bocato, sax tenor e clarinete de Leonardo Muniz Corrêa, trompete de Amilcar Rodrigues, sax soprano de Hugo Hori, percussão de Ricardo Garcia, acordeon de Antônio Bombarda e a participação especial das cantoras Márcia Castro e Paula da Paz.
Foto: Divulgação

De acordo com Gunnar, as canções buscam inserir o ouvinte dentro de uma complexa relação universal, as idas e vindas dos relacionamentos amorosos e todo contexto e implicações que os rodeiam: anseios, conquistas, incertezas, despedidas, disputas, política, amor, paixão, sexo, cobrança, poder, dinheiro, questões existenciais e cotidianas das quais as pessoas lidam ou terão que lidar.

Suas composições, a maioria sambas, trazem pequenas crônicas, gênero  utilizado por grandes compositores brasileiros. É um resgate à música brasileira, num retrato atual sobre a vida do povo, desde os seus encantos às suas dificuldades, com humor e ternura.

Sarau do Binho

“Agora é a nossa vez” registra a apresentação do Sarau Binho. Binho ressalta que o palco Cultura Periférica é na verdade um eco da voz de todos os “guerreiros” que estão no dia a dia da periferia e fazem parte deste povo brasileiro, pois como diz o poeta “uma andorinha só não faz verão, mas pode acordar um bando todo".

O Sarau do Binho já se transformou em marco importante de expressão cultural para poetas e escritores dos movimentos de periferia, além de reunir também cantores, músicos e outros artistas populares que se revezam no palco do bar com o único propósito de mostrar sua arte para quem estiver interessado em ver e ouvir. As apresentações no Bar do Binho ocorrem nas segundas-feiras, a partir das 20h.

“Escolhemos as segundas porque nesse dia só vai quem realmente deseja compartilhar essa cultura. É um dia calmo, é o início da semana e é bom iniciar a semana com arte. A vida precisa disso”, explica Binho, dono do bar e idealizador do Sarau.

A expressão de suas obras é livre tanto para aqueles artistas já conhecidos, com livros publicados, como para os que estão pela primeira vez se aventurando a mostrar a própria produção. “Há espaço para tudo, de letras de rap a poemas de Augusto dos Anjos, de composições latinas a músicas em tupi-guarani”, acrescenta Binho.

 A platéia, entre cervejas e petiscos, é atenta. Num canto, uma pequena biblioteca convida os frequentadores a se aventurar por novas leituras. Livros espalhados pelas mesas do bar completam o incentivo.
Everton Araújo mora no Capão redondo e frequenta o Bar do Binho. Ele diz que gosta muito das apresentações e geralmente vai com os amigos. “Eu me sinto bem lá. É um lugar agradável, tranquilo. As apresentações são muito boas. Por isso, estou aqui hoje.”, diz o estudante de Letras.

A ideia de levar o sarau para a Virada foi muito boa. Binho diz que é levar cultura de uma periferia para as outras, já que o centro representa um misto de todas as periferias da cidade. “Aqui no centro, além de uma população carente que vemos por todos os lados, é o local de trabalho, de encontro da população que vive nas margens da cidade, seja na zona Sul, Leste, Oeste ou Norte, todos vêem aqui”, analisa.

Na apresentação da Santa Ifigênia, era possível perceber que a maioria das pessoas que assistiam os artistas já se conhecia. Eles se cumprimentavam e conversavam sobre qualquer coisa. Depois cada um ia para o seu lado. “O mundo é um labirinto onde a gente se encontra”, diz a letra de uma das músicas tocadas pelo Gunnar.

“O Sarau é um laboratório popular onde mais do que textos, saem também a consciência cidadã fortalecida. Trazer isso para a Virada Cultural é um resgate e uma valorização de manifestações de pessoas que fazem essa cidade”, finaliza Binho.

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